Proposta foi promulgada em sessão solene do Congresso, com a participação de Pacheco, mas ausência Lira
Publicado no jornal Folha de S.Paulo em 11/02/2022
Renato Machado | Danielle Brant
Brasília
O Congresso Nacional promulgou nesta quinta-feira (10) a PEC (proposta de emenda à Constituição) que inclui a proteção de dados como um direito fundamental.
A promulgação ocorreu durante uma solenidade que contou com a participação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não compareceu.
“As informações, por assim dizer, voam à velocidade da luz e as novas tecnologias, como a revolucionária inteligência artificial, são capazes de descrever e prever comportamentos e interesses coletivos e individuais com grande precisão. Desse modo, faz-se imperativo na modernidade que tenhamos, no Brasil, um preceito com força constitucional que deixe muito patente nosso compromisso de nação com o valor inegociável da liberdade individual”, disse Pacheco.
A PEC havia encerrado a sua tramitação em outubro do ano passado, quando foi aprovada pelo Senado Federal. Ela passou com amplo apoio dos parlamentares, em ambas as Casas legislativas.
A proposta altera o artigo 5º da Constituição Federal, que trata do direito aos sigilos pessoais, como sigilo de correspondência e comunicações telegráficas. Além desses, passa então a ser um direito fundamental o direito “à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”.
A PEC da proteção de dados também prevê que compete privativamente —quando é responsabilidade de um ente, que pode delegá-la— à União legislar sobre temas ligados à proteção e tratamento de dados pessoais.
Relator da proposta na Comissão Especial da PEC na Câmara dos Deputados, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) afirmou que esse ponto especificamente é importante pois vai evitar uma “anarquia legislativa, uma instabilidade nas regras”.
A proposta foi apresentada pelo atual líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), mas antes que assumisse o posto. Ao justificar o projeto, o senador argumentou que a alteração na Constituição para incluir essa questão era necessária para evitar danos aos cidadãos, considerando os avanços tecnológicos e riscos advindos nesse contexto.
“[A tecnologia] se mal utilizada ou se utilizada sem um filtro prévio moral e ético, pode causar prejuízos incomensuráveis aos cidadãos e à própria sociedade, dando margem, inclusive, à concentração de mercados”, explicou Gomes na justificativa da proposta.
Durante a solenidade de promulgação, Gomes acrescentou que a digitalização do mundo resultou no avanço sobre fronteiras e aproximou pessoas, mas por outro lado trouxe riscos para a vida das pessoas.
“Como informação é poder, não é difícil prever que aquele que souber tudo a nosso respeito tem condições de influenciar as nossas vidas, para o bem e para o mal”, afirmou.
No entanto, o Novo apresentou um destaque e conseguiu retirar essa previsão do texto.
O STF (Supremo Tribunal Federal) já havia reconhecido a proteção de dados como direito fundamental. Para especialistas, a constitucionalização desse direito proíbe atos normativos que se constituam em grande intervenção ao direito à proteção de dados e também impõe a adoção de medidas para a garantia desse direito.
Além disso, ele se tornará uma cláusula pétrea. Ou seja, não poderá mais ser alterado ou retirado da Constituição.
Na avaliação de Fabio Pereira, sócio da área de tecnologia da informação e proteção de dados do Veirano Advogados, a emenda fortalece a proteção de dados e privacidade no país.
“Principalmente por conta dessa dimensão mais coletiva e que eleva ao mesmo patamar de importância a proteção de dados a outros direitos previstos no artigo quinto da Constituição, da mesma forma que ocorreu, por exemplo, em 1988 com a proteção ao meio ambiente e ao direito do consumidor”, afirma.
Na avaliação dele, a emenda vai incentivar o fortalecimento da cultura de proteção de dados no Brasil. “Isso vai demandar investimento da iniciativa privada para adequar suas práticas de tratamento de dados e ao mesmo tempo, obviamente, vai tornar essas empresas muito mais competitivas, já que elas seguem esse direito fundamental e levam isso muito a sério. É um grande ganho de segurança jurídica.”
Para o advogado especialista em direito digital Enrique Tello Hadad, sócio de Loeser e Hadad Advogados, a Constituição já garantia a privacidade de todos os indivíduos. A adição no ordenamento constitucional do direito à proteção de dados reforça e especifica de maneira mais clara esse ponto.
“Ele cria maior segurança do nosso ordenamento jurídico elevando o direito a um direito fundamental que resguarda a proteção dos dados pessoais”, afirma.
Hadad ainda acrescenta que essa questão passa a ser jurisdição do Supremo Tribunal Federal.
“Então em todos os níveis esse direito do titular e a proteção de dados vai ser reforçado. Passa a ter agora a União competência exclusiva para legislar, o que é importante porque define regras, além daquelas já promulgadas, além da própria atuação da autoridade nacional que passa a ser mais contundente”, completa.
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