A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou no dia 24/05 o Enunciado CD/ANPD Nº 01/2023, com o objetivo de uniformizar sua interpretação a respeito do tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, tema em relação ao qual a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) havia deixado muitas lacunas, o que abria margem para diferentes entendimentos quanto ao uso dos dados dos menores.
Vale ressaltar que enunciados são uma espécie de instrumento deliberativo da ANPD, com efeitos vinculantes, que visam interpretar a legislação de proteção de dados pessoais (LGPD), promovendo o aumento da segurança jurídica a respeito de entendimentos relativos à aplicação de seus dispositivos legais.
O referido Enunciado foi precedido por uma tomada de subsídios realizada entre setembro e outubro de 2022, tendo como base um Estudo Preliminar publicado pela Autoridade sobre o tema, ocasião em que a ANPD coletou a opinião da sociedade de modo geral, especialmente dos profissionais que atuam na área.
Segundo o posicionamento oficial da Autoridade publicado no dia 24/05, o tratamento de dados de crianças e adolescentes poderá ser realizado com fundamento em todas as bases legais previstas nos arts. 7º e 11 da LGPD, desde que prevaleça o melhor interesse do menor, a ser avaliado no caso concreto.
O posicionamento trazido pela ANPD segue a mesma linha de seu Estudo Preliminar publicado anteriormente, que já previa uma sugestão de redação para o enunciado muito semelhante à redação vigente, o que demonstra que a Autoridade manteve a coerência em seu entendimento. Destaca-se, no entanto, que a redação anterior, constante do Estudo, previa que as hipóteses do art. 11 (artigo que trata das formas previstas e possíveis para o tratamento de dados pessoais sensíveis) somente poderiam ser utilizadas no caso de dados sensíveis, enquanto a redação vigente e publicada no Enunciado não faz esta diferenciação. Assim, mesmo não estando explícito, apesar da referência e uso do artigo, não significa que houve equiparação entre os dados de crianças/adolescentes e os dados sensíveis.
Desta forma, de acordo com o Enunciado da ANPD, o consentimento de pelo menos um dos pais ou responsável legal pelo menor deixa de ser a única base legal aplicável ao tratamento de dados de crianças e adolescentes. Em outras palavras, as demais bases legais, como a execução de contrato (muito comum em contratos celebrados entre empresas e menores aprendizes), o cumprimento de obrigação legal ou regulatória, a proteção à vida, o legítimo interesse, entre outras bases legais indicadas nos artigos mencionados – desde que observado o melhor interesse da criança ou do adolescente, enquanto titular dos dados – também são aplicáveis.
A Autoridade destacou, ainda, que está trabalhando na elaboração de um Guia Orientativo sobre o Legítimo Interesse que, além de trazer orientações muito aguardadas sobre esta base legal, trará também orientações específicas para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes com fundamento nesta hipótese legal.
Destaca-se, por fim, que o novo Enunciado pode levantar questionamentos quanto ao limite da atuação da ANPD e especialmente em relação à sua função interpretativa e não legislativa. Isso porque o Enunciado sobre o tratamento de dados de crianças e adolescentes contradiz o que estabelece o §1º do art. 14, que determina a obrigatoriedade do consentimento do responsável legal pela criança para tratamento de seus dados. Diante de tal controvérsia, pode haver questionamentos em relação à competência da ANPD para a emissão do referido Enunciado contra legem.
Clique aqui para acessar o Enunciado da ANPD na íntegra.
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