Publicado em 31/5/2023 | Portal O Estado de S.Paulo | Blog do Fausto Macedo
Entrou em vigor nesta terça, 31, a Lei 14.592 de 2023, que valida a Medida Provisória 1.159 sobre a exclusão do ICMS na base de cálculo do crédito de PIS e COFINS na modalidade não cumulativa. Mas as dúvidas ainda são muitas, como apontam advogados tributaristas consultados pela reportagem do Estadão. Eles já preveem a judicialização da lei.
O advogado João Cláudio Leal – sócio-coordenador da área tributária do SGMP Advogados – diz que até agora o benefício fiscal do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), criado para minimizar as perdas suportadas pelo setor durante a pandemia, foi objeto de diversos questionamentos.
“Isso porque não havia clareza quanto à definição dos possíveis beneficiários”, observa. “Além disso, se alegava que a regulamentação da Receita restringia o benefício. As normas da MP 1.147/2022, com as alterações do Congresso, buscaram dar maior segurança na regulamentação do benefício. Mas permanecem certos focos de dúvida que ainda serão objeto de discussão judicial.”
“Por outro lado, o STF já havia decidido que o ICMS devido pelo contribuinte não deve ser considerado no valor correspondente à ‘receita’, que é a base de cálculo da Cofins e da contribuição para o PIS”, segue Leal.
Em sua avaliação, ‘a MP 1.159, que teve seu texto integrado à MP 1.147 e foi convertida em lei, alterou a forma como os chamados créditos de não-cumulatividade são apurados’.
“Esses créditos de não-cumulatividade se destinam a reduzir o valor final do tributo a ser pago e sua função é eliminar ou minorar os efeitos econômicos da ‘tributação em cascata'”, assinala o advogado.
“Em razão da não-cumulatividade, a tributação que ocorre em uma etapa ou estágio é relevante na etapa seguinte, na medida em que cada uma tributada provoca o surgimento dos créditos de não-cumulatividade que reduzem o valor do tributo a ser pago na etapa seguinte. Com as alterações, agora convertidas em lei, o contribuinte que adquirir mercadorias para revender, por exemplo, não poderá considerar todo o valor de aquisição para apuração dos créditos de não-cumulatividade, porque o valor do ICMS incidente na operação de aquisição deve ser excluído.”
Para a advogada Letícia Micchelucci, especialista em Direito Tributário e sócia do Loeser e Hadad Advogados, na prática, a partir da sanção e publicação da lei pelo presidente da República, as empresas continuarão obrigadas a excluir o ICMS dos créditos de PIS e Cofins.
“Isto já era determinação contida na MP 1159. Havia dúvida, todavia, se tal previsão seria convalidada e aprovada pelo Congresso. De fato, a MP 1159 ainda não foi aprovada, porém a previsão da obrigatoriedade da exclusão acabou sendo autorizada através da aprovação da MP 1147?, afirma.
Letícia Micchelucci alerta que há vários argumentos que justificam a judicialização da questão, ‘principalmente a forma como a não cumulatividade do PIS e da Cofins está sendo aplicada, de forma similar à do ICMS e do IPI, quando na verdade, o sistema da não cumulatividade do PIS e da Cofins é diferenciado”.
De acordo com a advogada, esse é um sistema que utiliza a técnica de base contra base e subtrativo indireto. “Isto significa que o contribuinte apura seus créditos aplicando a alíquota sobre o valor do custo de aquisição de seus insumos. Pouco importa de quem compra e sua tributação. O ICMS representa verdadeiro custo de aquisição. Há muitos fundamentos que podem levar à judicialização do tema, como já mencionado, que limita os créditos de forma inconstitucional, bem como violação à isonomia e ordem concorrencial, dentre outros.”
A advogada Maria Andréia dos Santos, sócia de contencioso tributário do Machado Associados, explica que ‘certamente antevendo a possibilidade de a MP caducar’, nas negociações feitas na Câmara dos Deputados, o governo conseguiu que as regras restritivas da MP 1.159/23 fossem incluídas como emenda na MP 1.147/22, que tratava dentre outros temas, sobre o PERSE – esta última MP foi aprovada pela Câmara e pelo Senado como Projeto de Lei de Conversão 09/23, já encaminhado para a sanção presidencial.
“Com isso, até o dia de hoje, tinha se criado situação legislativa bastante inusitada, pois há uma MP em vigor até o dia 1º de junho determinando a exclusão do ICMS destacado em documento fiscal da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS e, de outro lado, se estava na espera da sanção e publicação da lei decorrente do projeto de lei de conversão fruto de outra medida provisória, trazendo as mesmas regras restritivas”, observa Maria Andréia.
“Agora, como foi publicada a Lei 14.592/23, fruto do Projeto de Lei de Conversão 09/23, afastou-se o risco de que esse não fosse sancionado e publicado até 1º de junho, o que tornaria possível que se alegasse que houve um vácuo legislativo na disciplina do tema”, ela argumenta. “Assim, se a sanção e publicação não tivessem acontecido, seria possível pleitear a aplicação da nova regra apenas após o decurso do prazo de 90 dias da publicação da nova lei,”
“Esse cenário todo, além de representar uma clara medida do governo para esvaziar os efeitos da vitória alcançada pelos contribuintes no Supremo Tribunal Federal, ainda criou uma insegurança jurídica enorme para eles, que não tinham previsibilidade sobre qual regra deveriam observar a partir de 1º de junho”, adverte.
Maria Andrea conclui. “Além disso, o texto da nova lei revogou a MP 1159/23 e ainda tratou sobre a convalidação dos atos praticados com base na MP revogada, apesar da clareza de que atos praticados com base em MP não convertida em lei devem ser tratados por decreto legislativo.”
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