ITCMD: controvérsias envolvendo a incidência na distribuição desproporcional de lucros

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), em recente decisão proferida pela 4ª Câmara de Direito Público1, entendeu que a ausência de propósito negocial na distribuição desproporcional de lucros, caracteriza-se como doação disfarçada, atraindo a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

 

Entende-se por distribuição desproporcional, aquela em que a participação do sócio nos lucros da empresa não ocorre na proporção das suas respectivas quotas. Para tanto, conforme previsto nos arts. 1.007 e 1.008 do Código Civil, devem os sócios deliberar acerca da distribuição desproporcional, nos termos da autorização prevista no respectivo contrato social, sendo vedada a supressão do direito de determinado sócio a participar dos lucros e das perdas.

 

Por sua vez, nos termos do art. 538 do Código Civil, a doação caracteriza-se como um contrato através do qual uma pessoa, por liberalidade (animus donandi), transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o patrimônio de outra. Assim, diferentemente da distribuição desproporcional de lucros, inexiste fundamento negocial na doação.

 

No caso recentemente analisado pelo TJSP, a controvérsia teve origem na distribuição de dividendos realizada de forma desproporcional pelos pais (sócios adminsitradores e dententores conjuntamente de 98% das quotas da sociedade), em favor de seus dois filhos (detentores individualmente de 1% das quotas).

 

Ao analisar os atos praticados, entenderam as Autoridades Fiscais do Estado de São Paulo que houve uma doação disfarçada de distribuição desproporcional de dividendos, motivada exclusivamente pela liberalidade dos pais, na qualidade de sócios administradores, em transferir parte de seu patrimônio aos filhos, inexistindo qualquer propósito negocial apto a justificar a distribuição e, consequentemente, afastar a incidência do ITCMD.

 

Após a lavratura dos correspondentes Autos de Infração e Imposição de Multa (AIIM), exigindo o ITCMD em face dos filhos na qualidade de donatários, o lançamento foi mantido pelo Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), motivando o contribuinte a impetrar mandado de segurança visando afastar a referida exigência.

 

A seguir, destacamos aspectos relevantes do precedente em questão:

  • Síntese dos fundamentos do Impetrante: (i) realização da distribuição desproporcional com base na autonomia de vontade privada e na liberdade contratual; (ii) observância às exigências legais (i.e. previsão contratual), havendo vinculação ao interesse empresarial e às atividades desenvolvidas pelos filhos (donatários) na consecução dos negócios; (iii) inexistência de liberalidade para fins de caracterização de doação, uma vez que a distribuição de dividendos teve como fundamento premissa negocial.

 

  • Decisões em primeira e segunda instância: em primeira instância, a segurança foi denegada em relação ao afastamento da incidência do ITCMD na distribuição disproporcional, sendo o posicionamento mantido pela 4ª Câmara de Direito Público do TJSP.

 

  • Alinhamento aos demais precedentes do TJSP e manifestações da SEFAZ/SP: o posicionamento mantido pela 4ª Câmara de Direito Público do TJSP, está alinhado a outros precedentes do Tribunal2 desfavoráveis aos contribuintes, bem como ao entendimento expressamente manifesto pela SEFAZ/SP através de Resposta à Consulta Tributária3.

 

Desta forma, constata-se que para fins de não incidência do ITCMD, são exigidos os seguintes elementos, em síntese: (i) observância às exigências legais (i.e. previsão da distribuição desproporcional no contrato social e deliberação entre os sócios); (ii) comprovação do vínculo entre os valores distribuídos e as atividades desenvolvidas pelos sócios no exercício das atividades empresariais, aptos a fundamentar o propósio negocial da distribuição desproporcional.

 

Tais requisitos, também são evidenciados em decisões isoladas, proferidas de forma favorável aos contibuintes pelo TJSP4 e TJSC5. Nos Tribunais Superiores, ainda não há decisões de mérito versando especificamente sobre o tema.

 

  • Reforma tributária – Tentativa de introduzir disposições específicas sobre o tema através do PLP 108/2024: de modo semelhante ao entendimento jurisprudencial exposto, o texto base do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108/2024), propôs a incidência do ITCMD sobre atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação (cf. art. 160, §5°, inciso I). Contudo, tais disposições foram excluídas do texto final aprovado pela Câmara dos Deputados em 30 de outubro de 2024, atualmente aguardando sua apreciação pelo Senado Federal.

 

Assim, verifica-se que a distribuição desproporcional de lucros é um instrumento legalmente permitido, proporcionando arranjos negociais eficientes para fins de execução das atividades empresarias, bem como estruturação de planejamentos patrimoniais e sucessórios.

 

Contudo, recomenda-se que a sua implementação seja realizada com cautela, evidenciando aspectos negociais dos atos praticados e afastando elementos que possam caracterizá-los como doações, caso interpretados como transferências de patrimônio por liberalidade.

 

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Referências:

(1) Apelação Cível nº 1089011-58.2023.8.26.0053; (2) TJ-SP – Apelação Cível: 10876881820238260053 São Paulo, Relator.: Maria Olívia Alves, Data de Julgamento: 12/02/2025, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/02/2025; (3) Resposta à Consulta Tributária 20952M1/2019 (disponibilizada em em 01/06/2020); (4) TJ-SP – RI: 10269391020188260506 SP 1026939-10.2018.8 .26.0506, Relator.: Loredana Henck Cano de Carvalho, Data de Julgamento: 31/08/2022, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 31/08/2022; (5) Apelação / Remessa Necessária | 0311916-16.2018.8.24.0023, Órgão: TJ-SC. Relator:  Jorge Luiz de Borba.  Julgado em 28/05/2024,  Publicado em 28/05/2024.